sexta-feira, 11 de agosto de 2017

UM REQUIEM PARA SEU ELEUTÉRIO


Seu Eleutério se criou na Fazenda Santa Izabel. Era bisneto do Seu José Antônio Lisboa que adquiriu várias quadras de sesmaria de campo e construiu a sede no local mais aprazível , não longe de uma sanga.

E a fazenda foi crescendo. À medida que os donos iam falecendo, eram sepultados  num lugar cercado por gradis, não longe das casas, no alto de um cerro.

Acontece que alguns descendentes não se interessaram em permanecer na fazenda. Ou porque tinham ido estudar num grande centro, se formado médicos, engenheiros, ou algum não dera para nada e vivia na cidade, sustentado pelo pai, ou ainda por causa dos achegos.

Seu Eleutério foi sentindo a pua pelo chacoalhar dos anos. Tinha só filhas mulheres. O único homem falecera num desastre quando ia conhecer as  praias de mar.

As filhas insistiram em estudar fora, casaram-se com homens que queriam distância de barro e de bosta de vaca. Elas mesmas, quando iam visitar o pai já viúvo, prometiam que ficariam para pousar, mas que nada. Não pegava bem celular e a TV era puro chuvisco.

Certo dia seu Eleutério  pegou sua S 10 e se foi para o povo. Chovia, não dava para lidar com o gado.

Almoçou perto da Rodoviária, tomou uns aperitivos e sentiu saudade de um aconchego e de uma lida de namoro.

Foi na casa onde tinham umas gurias faceiras e se sentiu muito feliz, pois a moça se admirou que ele, com aquela idade, ainda estava tão guapo. Pois seu Eleutério matutou, matutou e decidiu pernoitar na cidade.

Viu como era tudo fácil, quando faltava luz, a cidade era atendida primeiro, não como pra fora que fica por último.

Foi lá na Veterinária Tio Chico, sentou sobre uma cadeira com pelego e ficou charlando. Até que um amigo lhe  disse:

- Eleutério, deixa dessa lida. Arrenda teu campo, vende o gado e vem para a cidade.

Pois a idéia foi perseguindo seu Eleutério como piolho em costura.No fim, decidiu arrendar só a metade e vender a metade da tropa e do rebanho.Sucede que uma filha lhe pediu sua parte na futura herança, pois queria comprar uma casa na praia.A outra queria um ajutório para comprar um apartamento maior.

Seu Eleutério acabou por arrendar tudo e vendeu todo o gado.

Foi morar na cidade.

Ele já providenciara deixar pronto seu jazigo, lá no cemitério da fazenda, junto com seus  ancestrais.

De repente, só um ano depois, seu Eleutério teve um problema, andava bebendo demais e não resistiu.

As filhas acorreram, deram-lhe sepultura na fazenda  como pedira, pilchado. Alguns amigos e parentes não puderam vir porque a estrada estava embarrada e eles não tinham caminhonetas tracionadas. Duas das netas tinham viagem marcada para a Disney e não puderam ir, as pobrezinhas.

Passada a missa do sétimo dia, as filhas negociaram com o arrendatário, um gringo vermelhão que usava calças lisas e boné de posto de gasolina,  e lhe venderam todo o campo.

Seu Eleutério ficou com sua falecida esposa e seus avós lá no cemitério campeiro.

O novo dono franqueou, incondicionalmente, o acesso de quem quisesse visitar os jazigos.

No primeiro dia de finados veio uma filha, deu uma limpada no túmulo e deixou umas flores de plástico. São mais práticas e não murcham, disse ela.

Nunca mais veio ninguém.

Já se passam dez anos.O gringo novo dono mudou a sede , e fez outra, super moderna, em outro local. A do seu Eleutério virou tapera. O cemitério foi tomado pelo mato. Os peões, quando passam de a cavalo, tiram o   chapéu.

Seu Eleutério foi esquecido.
Agora, na noite de finados, ao menos os pirilampos lhe acendem uma vela.