segunda-feira, 7 de março de 2016

TURISMO NO URUGUAY - BELISSIMO RELATO DE ROSANE DE OLIVEIRA

O que é que o vizinho tem

No Uruguai, não se vê polícia na rua. Escola, ao contrário, é o que mais tem

 
Voltei das férias há duas semanas, mais apaixonada do que nunca pelo vizinho Uruguai. Já estava em Porto Alegre quando saiu o resultado de uma pesquisa que, mais uma vez, aponta Montevidéu como a cidade com melhor qualidade de vida da América Latina. Está explicada, em parte, esta paixão que não cabe nos clichês sobre a cidade que tem com o Rio da Prata a mesma cumplicidade de Porto Alegre com o Guaíba.

Quando comentei que iríamos para o Uruguai, a primeira pergunta que ouvi foi:
— Vão para Punta?
Não. Desta vez nossa intenção era passar alguns dias vivendo como uma família uruguaia e conhecendo melhor a capital que só conhecíamos de circular pela Rambla e de rápidas visitas ao Centro Histórico. Não como carne vermelha e não fumo maconha, dois produtos que fazem o Uruguai desejado por boa parte dos turistas. Meu interesse era a cidade e a vida que pulsa nas calles.
Com dois meses de antecedência comecei a procurar apartamento pela internet. Buscava um imóvel com preço acessível, garagem, dois quartos, uma boa cozinha e sala com vista para o Prata, em Pocitos ou Punta Carretas. Encontrei vários com tudo o que buscava, menos a garagem.
Seduzida por uma anúncio do site airbnb.com que dizia "Luminous apt with great view river", entrei em contato com Catherine, a proprietária, manifestei meu interesse em alugar, mas expressei a preocupação com a falta da garagem. Ela respondeu que poderia deixar o carro na rua, sem nenhum problema. Meia dúzia de mensagens depois, fechei o contrato, paguei com  cartão de crédito e passei alguns dias me perguntando se não teria sido um erro alugar um apartamento sem garagem.
Viajamos às vésperas do Carnaval, com uma parada em Pelotas para comer peixe no Mercado Público, e uma noite no Chuí. Chegamos a Montevidéu no início da tarde de sábado, viajando por uma estrada bem conservada. Pagamos 70 pesos (R$ 10) no primeiro pedágio e fomos dispensados nas duas praças seguintes porque o fluxo era intenso no sentido contrário, o das praias, e liberaram a cancela para os poucos que seguiam em direção à capital. Inteligente, não?
No apartamento, fomos recebidos com a cordialidade uruguaia e uma garrafa de Sauvignon Blanc gelado. O carro ficou debaixo dos plátanos do Boulevard Artigas, junto com o de outros moradores que devem ter dificuldade de compreender nossa compulsão por estacionamentos fechados a chave. Em sete dias em Montevidéu e dois em Colônia de Sacramento, não assistimos a nenhum episódio de violência. Andamos pela Rambla pela manhã e ao anoitecer, circulamos pelas ruas do Centro, esquadrinhamos a Feira de Tristán Narvaja, versão uruguaia do nosso Brique da Redenção, várias vezes maior. Em nenhum momento nos sentimos inseguros, nem precisamos esconder celular ou máquina fotográfica.

Se você, que clama pela nomeação de brigadianos, está imaginando que havia um policial em cada esquina e viaturas andando para cá e para lá, enganou-se. Vimos pouquíssima polícia na rua. Sirenes, quase nunca. Estacionamos numa rua deserta para conhecer o Jardim Botânico e o roseiral de pérgulas francesas, no Prado, e não tivemos medo de assalto nem de furto. Impossível evitar a pergunta: o que os vizinhos têm que nós não temos?
Na falta de uma resposta objetiva, posso formular hipóteses. Você não vê pichações. As "escuelas" são prédios bonitos, bem conservados, sem vidros quebrados. E há tanta placa de "escuela rural" naquelas estradas sem fim, que a conclusão é meio óbvia: educação por lá é levada a sério. As ruas são limpas, o trânsito é civilizado, não há pedintes nos pontos turísticos. Fiquei tentada a perguntar qual é a receita, mas estava em férias e não queria transformar meus dias de folga numa reportagem sobre o que temos a aprender com o Uruguai.

Voltamos pela Ruta 5, para passar em Paso de Los Toros, Durazno, Tacuarenbó e Rivera. De novo, estradas bem conservadas e pedágio a 55 pesos. Esses uruguaios não devem conhecer a sigla VDM, porque, com tão baixo volume diário de tráfego, aqui se diria que não dá para colocar pedágio ou que a tarifa deveria ser muito maior para compensar. Na volta para casa, o contraste com a esburacada BR-290 e suas placas ilegíveis, como esta que deveria indicar aos turistas do Uruguai e da Argentina a que distância estão do nosso Litoral Norte.