sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Probidade e tentação


Probidade e tentação

Astor Wartchow

 

Nas relações de trabalho privado são freqüentes as simulações de doenças e mal-estar, suficientes para garantir um atestado médico e até mesmo um seguro-desemprego.

Também tem sido muito comum o acordo entre patrões e empregados, possibilitando o saque do saldo de FGTS e o gozo de seis meses de seguro-desemprego. Claro que ganhando o salário atual “por fora” durante esse período!

Também são comuns as pequenas apropriações (sic) em forma de produtos de má qualidade e prestação de serviços de segunda categoria, pequenos “empréstimos” de material de expediente da empresa, descumprimento de prazos e horário de trabalho. Sem contar os pequenos golpes contábeis-administrativos.

Entre outros não citados, todos esses exemplos representam, direta ou indiretamente, a apropriação indevida de fruto do trabalho e produção alheia. Conseqüentemente, o dinheiro dos outros!

No setor público não é diferente. O que é o uso e abuso nos gastos governamentais com os cartões de crédito corporativo? O que significa a mudança da legislação que impedirá a fiscalização plena das obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas? E em seu estado e município, como se dá o controle e fiscalização dos gastos públicos?

Periodicamente, ouvimos notícias sobre expressivos “ressarcimentos de despesas” e aumentos salariais de magistrados e deputados. Mas qual a novidade? Qual a surpresa? Esperavam o que?

Simples: tudo está ligado. O querer levar vantagem, a memória curta do cidadão, os fanatismos (e interesses) partidários que calam a própria vigilância e autocrítica, e acabam por desculpar governos e companheiros votantes, não votantes e ausentes. Ausentes nessa hora?

São reações e ações do mesmo corpo, faces da mesma moeda. E assim prosseguirá o “baile”. Se a locupletação é generalizada, se a manutenção e ampliação de privilégios ofensivos à realidade do povo são argüidos e equiparados constitucional e descaradamente, qual é, ou deveria ser, o núcleo de nossa indignação e reação?

Para começo de conversa, devemos combater o gigantismo do governo federal, principalmente do Poder Executivo e do Legislativo. Mas os estados também não “escapam”.

Mas ainda tem gente que “embarca” nessa conversa de estatais e intervenção pública em geral. A maioria do povo brasileiro ainda acredita que “são os governos” que vão melhorar sua vida. Nesse caso, resta ficar calado e pagar o preço. 

O fantasma do ilustre gaúcho de Vacaria, advogado e historiador Raimundo Faoro (1925-2003), dá gargalhadas nos corredores das oficiais casas d’Os Donos do Poder (leia o livro de 1958!). Já dizia que é uma rede que extrai da nação tudo o que pode. E a sociedade submissa se adapta!  

             No suceder das apropriações indébitas, inevitável lembrar nosso melhor (e recentemente falecido) filósofo e humorista Millor Fernandes, quando diz: “o que pode uma pobre probidade diante de uma rica tentação?”