quarta-feira, 26 de março de 2014

SEXTA SANTA - MAIS TEXTOS SACRÍLEGOS - AGORA É DO IVAN SAUL


Me nego a comentar sobre o inseto marinho que, conforme os que já foram apresentados, é muito nobre e saboroso. Não conheço, não falo!

Este ano, é possível que belisque um filézinho de merluza argentina, muito bem congelado (sem água) que tenho encontrado por aqui.

Não sou fundamentalista e no meu 'sincretismo ecumênico adaptado' cabe qualquer cardápio, 'dêsque' não me falte o 'pão líquido'. Rememoro o êxodo e as rações recebidas pela turma da construção civil no antigo Egito. Meia dúzia de escravos com o meu DNA, pela Brahma, quebrávamos o faraó e a história teria sido outra...

Detestei, durante toda minha infância e juventude, as Sextas da Paixão, que, naquele tempo, tinham, assim, uma cara de Sexta-Feira Santa.

Sempre nubladas, a musiquinha chata no rádio, os amigos encerrados em casa, nada que fazer. Nem imagino o que a mãe do Eliseu pode lhe ter encarregado, eu que sempre fui 'mal-mandado' teria cumprido, de bom grado, qualquer missão que me fosse assignada, acho.

Não se ordenhava, não se agarrava cavalo - supremo castigo pro guri de olho comprido na matungada - não se falava alto, não se podia rir... que fazer em casa de gente com cara de velório?

Movimento, só a missa, a procissão do Senhor Morto, constrito e 'cagado de medo' da imagem do Nosso Senhor dos Passos. Acredito que, ainda hoje, se eu entrar pela porta principal na Catedral de Pelotas, vou me esforçar pra não olhar à direita, onde está Sua Capela.

Tudo 'não prestava' e colocava em risco a saúde e a sobrevivência da mãe da gente. Podia-se cair do cavalo, quebrar o pescoço e - em vez de morrer, pra alívio geral - ficar aleijado o resto da vida (pra não poder andar a cavalo, nunca mais!).

Não me peçam simpatia por essa galegada carola! Não enquanto os genes selvagens, de pastores do deserto, de negros caçadores e índios cavaleiros, se agitarem nas minhas células!

Só conseguia sobreviver à toda esta depressão, que naquele tempo ainda não era epidemia, por saber que aconteceria o Domingo de Páscoa. Não pelos chocolates, que lá em casa entravam pouco, apareciam mais aqueles ovos de açúcar e anilina, cheios de arabescos, mais enjoativos que navegada no barco do sogro.

No domingo, tinha o assadinho de carne de ovelha, preparado com esmero e carinho pelo Velho Saul, até hoje não sei, em honra de que sagrada tradição.

Era a faina do fogo e do cheiro do carvão pegando, era a limpeza da grelha (que o velho paulista sempre chamou de grade), as facas cabo de chifre, o ramo da guanxuma que se deixava crescer num canto do pátio, reservada pra ocasiões especialíssimas que requeressem salmoura.

Que evento pros ancestrais guerreiros dessa gente! Nacos de carne comidos com as mãos, farinha crua grudando pela cara em emulsão de graxa esfriando. Encerramento da quarentena cristã com a celebração pagã do festim da carne assada.