quinta-feira, 13 de março de 2014

BELO ARTIGO DO DR, ASTOR WARTCHOW


 

O homem das cavernas

 

Quando tinha entre seis e sete anos, meu filho perguntava - ao me ver sair diariamente rumo ao trabalho - por que eu não poderia ficar em casa e brincar com ele.

Eu respondia dizendo que assim como o homem das cavernas saia todos os dias em busca da caça e das frutas – nas histórias em quadrinhos que líamos juntos, nós homens modernos vendemos nosso trabalho diário em troca de dinheiro. E com esse dinheiro compramos as mesmas carnes e frutas.

Depois, quando o mesmo filho já tinha em torno de quinze anos, eu continuava afirmando que nós realmente ainda éramos (e somos) homens da caverna. E o que nos diferenciava era o fato de possuirmos casas melhores, roupas coloridas e equipamentos de facilitação de trabalho, lazer e locomoção.

E que, apesar dessa bela e envernizada aparência e todos os modernos equipamentos, lá no fundo de nossa alma ainda dormia e roncava o homem das cavernas. Mas que, perigosamente, alternava momentos de silêncio e inação com outros tantos de ruidosa, brutal e mortal intervenção no nosso dia-a-dia.

É verdade que muitos humanos, mundo afora e através dos tempos, os melhores exemplos de todas as artes e ofícios, iluminam nossa precária, caótica e desequilibrada existência. Porém, infelizmente, foi e é um esforço não suficiente para calar de vez e fazer “dormir” para sempre o homem das cavernas que em nós ainda habita.

Pode parecer um exagero minha surpreendente e retórica metáfora. Mas, como se não assim para explicar e justificar os vários, sucessivos e históricos atos de violência entre humanos.

São as guerras de poder e território que arrastam milhares de jovens ao terror e à morte. As desavenças étnicas que perturbam e machucam tantas nações. A interminável violência física e mental sobre as mulheres e crianças.

Também é cruel o tratamento que nega direitos às minorias sexual e comportamentalmente diferenciadas, sonegando-lhes o primário direito à paz espiritual e a realização de suas humanas emoções.

Como nominar as pessoas que agrediram e atearam fogo em mendigos? Como esquecer o índio pataxó que foi incinerado vivo em nossa moderna capital, Brasília, conhecida e tombada (ironicamente) como monumento cultural da humanidade?    

E, agora, ainda cá entre nós brasileiros, ditos e auto-afirmados (falsamente!) cordiais e bonzinhos, como explicar - além dos demais pecados inconfessos - a violência mortal nas arquibancadas dos estádios de futebol e os atos explícitos de racismo?

Simples, repito, novamente, ao meu filho agora com 25 anos, é o homem das cavernas que continua habitando em nós, carentes de educação, cultura e afeto, principalmente.

Longe está, pois, o futuro de paz, fraternidade e humanidades. Tristemente distante.