quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

INTERNATO NO COLÉGIO SANTO INÁCIO II


 
Jamais se ouvia rádio. TV ainda não existia. Certo dia de 1958, estávamos no pátio, quando um Padre nos disse que o Brasil se sagrara  campeão mundial graças a um jogador chamado Pelê ( assim mesmo, com “e” fechado). Nunca tinha ouvido falar.

Cada seminarista tinha um número.O meu era 80. Em todas as roupas  estava marcado, num lugar discreto, esse número para que não houvesse confusão na lavanderia.

De vez em quando, ainda de madrugada,encostava um caminhão de carga, subíamos todos na carroceria e íamos para algum lugar acampar por um dia. Era o chamado “ passeio grande”. Imagina hoje 50 guris na carroceria de um caminhão  estrada a fora.

Para os meninos vindos das “ colônias novas” e muitos filhos de agricultores o  seminário era o único meio de conseguir estudar. Tão sólido era o estudo, que a maioria passava facilmente nos vestibulares da UFRGS uma vez abandonado o  Santo Inácio.

Ninguém usava dinheiro. Para necessidades como sabonetes, desodorantes e essas coisas, havia uma espécie de lojinha em que eram anotadas as compras, a serem acertadas depois com os pais. Não havia refrigerantes, muito menos bebidas alcoólicas.  A carne era suficiente, mas nem de longe a gastança de hoje. Frutas havia  à vontade.

Nunca constatei nenhum caso de homossexualismo ou pedofilia, conquanto não possa afirmar que  eventualmente não houvesse algum .

Ao findar meu segundo ano de Kappesberg  me decidi por sair. Não tinha vocação para padre e além do  que estouravam nas minhas veias os  hormônios da adolescência, coisa não incomum nessa raça medonha que são os Gessinger, Klafke, Etges, cujo sangue “perigoso” corre nas minhas veias.

Bem, quem voltou para Santa Cruz foi um cara que não ouvira nada de Elvis Presley, que não sabia jogar basquete ( a moda em Santa Cruz), que não fumava ( apesar de já ter 15 anos), nem bebia . Além disso, não dizia palavrão, nunca tinha  nem passado perto da “ zona”, nem sabia o que era “ secar” uma guria.

Reingressei no São Luiz .Em seguida fui para o Mauá, onde o esquema era bem mais rígido do que , à época, no São Luiz.

Nunca encontrei um só ex seminarista que  não tenho lucrado com aquela vida espartana e  não recorde com satisfação os ensinamentos lá hauridos; assim como nunca tive conhecimento de um só que não tenha  gostado de prestar o serviço militar, apesar das agruras e privações.

Por isso, agora, olhando para trás, agradeço a Deus por essas experiências, porque, já como juiz de direito, jamais me importei de ir para as bibocas, onde nem havia estradas e as casas eram precárias.  Para quem esteve interno  no Kappesberg nada mais era difícil.