terça-feira, 1 de outubro de 2013

LA BLONDE GRIS


 

O jovem médico foi ascendendo na carreira acadêmica até ser aprovado  assistente numa cadeira da faculdade de Medicina.

 

No primeiro dia de aula, uma turma de rapazes e moças, todos muito jovens, relutavam em fazer silêncio para que ele se apresentasse. A duras penas se impôs e pediu que cada aluno dissesse seu nome e de onde vinha. Não deixou de notar uma mulher um pouco mais madura, perto das frangotas que havia ali. Deveria ter seus 26 anos. Era loira, alta. Não usava jeans ao contrário das demais, nem tinha tatuagem. Usava saia e blusa e sua pele era alva. Loira natural, tinha um nariz aquilino e uma boca que poderia ser um pouco mais carnuda.

 

Não se sofreu e lhe perguntou quantos vestibulares tentara. Cinco, disse ela.

 

Ela não se misturava nos grupelhos e tribos que se formam. Ficava ereta e misteriosa na sua saia preta, meias escuras, salto alto e camisa branca, deixando a entrever seios muito firmes.Seu jaleco era até engomado.

 

E assim foi se seguindo o semestre.

 

Quando Artur não estava na faculdade, atendia um pouco na clínica do pai.

 

Numa 2ª. Feira de tarde chegou e viu na sala de espera a Maria da Graça. Só então observou que ela tinha belíssimos joelhos mas suas meias tinham furos e seus sapatos de salto estavam puídos. Dirigiu-se a ela, que permaneceu sentada mas colocou o rosto entre as duas mãos e prorrompeu num pranto discreto e manso.

 

Sentou-se ao lado dela.

Ela contou que era do interior, fora casada dois meses, o marido se mostrara violento e ela estava sendo sustentada pelos pais, mas agora o dinheiro mermara e não tinha mais como pagar a faculdade.

 

Já no apartamento dele à tardinha, ofereceu-lhe nozes, castanhas,  abriu uma Freixenet.Ela jamais havia tomado uma espumante, que dirá importada.

 

Acordaram abraçados às 6 da manhã, ela levantou antes, tomou um banho após ele lhe indicar a torneira quente..

 

Começaram a namorar discretamente.

Até que um dia ela, numa festa, excedeu-se na champagne e começou a flertar com um colega estudante. Dançava frenética feita uma Jezebel.

 

Arthur largou tudo e foi embora para seu apartamento. Já deitado, depois de uma hora, pensou que fizera uma cena de ciúmes infantil.

As horas foram passando e ela não veio.

 

Não apareceu mais na faculdade.

 

Dez anos mais tarde encontrou-a em Paris, de braços com um senhor de cabelos brancos.

 

Vestia-se com  apuro, os cabelos tinham tomado a tonalidade “ blonde gris” tão rara no mundo e só encontradiça na Alsácia.

 

Ela só o cumprimentou com um solene meneio de cabeça.

 

De volta ao seu hotel, concluiu que gostava mais  dela com seu jeito desvalido e despojado. Não conseguiu dormir e sua mulher lhe perguntou o que estava havendo.

- nada, amor. Acho que alguma coisa que bebi não me fez bem. Deve ter sido aquela  Freixenet“ Cordón Negro”..

 

- Conta outra, amado... Freixenet aqui em Paris?
 
(Publicada hj em Gazeta do Sul)

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