terça-feira, 23 de julho de 2013

MAIS REFLEXÕES - DIRETO DO PARANÁ, DE IVAN SAUL




Sentindo-me honrado pela parte que me toca da dedicatória desta postagem, me animo em dar minha contribuição ao tema da indumentaria, i.e., meter minha colher. Desta vez falando sério.

 

Passei quase toda minha infância no centro da cidade, a cidade sendo Pelotas, não quer dizer grande coisa. Meu dia de sorte se dava quando saía mais cedo do colégio, ou o leiteiro atrasava o reparte, e podia pegar carona na charrete até em casa. Ajudava com os litros de vidro e os engradados de arame soldado e, assim, podia conduzir, à passo, depois de dobrada a esquina até o meio da quadra onde uma pontezinha atravessava o canalete da rua General Argollo.

 

Naquilo que hoje se localiza pouco mais de um quilômetro da casa em que morávamos, e que à época pareciam muitos quilômetros, onde hoje é território de casas modernas da gente fina pelotense, terminei minha infância pastoreando vacas leiteiras de uma família de amigos, pequenos tambeiros. Nos amplos terrenos baldios, correteava num petiço colorado chamado Charuto, atacando as vacas pra não atravessarem as ruas.

 

Ainda tínhamos tios e muitos primos morando no interior de Canguçu, origem da vertente feminina da família e visitá-los envolvia preparação e demandava férias, porém ali, aprendi a lidar com bois mansos na carreta, a importância da cultura do fumo na economia familiar - me ensinaram como fazer o fumo em corda, torcer, enrolar, melar... também me ensinaram a fumar, quase adulto que era aos 10 anos. Lá também aprendi alguma coisa sobre trançar couros, domar potros, matar pra comer, viver feliz com quase nada.

 

Adolescente, já não via mais gaúchos nas ruas do centro, não via mais leite em litro ou leiteiro, nem padeiro, nem carroças de limpeza urbana, cavalos e charretes só dos verdureiros na feira semanal ou dos carroceiros de frete. Naqueles dias ninguém remexia o lixo alheio, isso que hoje se chama reciclagem - a não ser por um misto de miséria e enfermidade mental. Crianças não dirigiam cavalos magros, em charretes altas de papelão, no meio do trânsito da hora do rush.

 

Logo foi o momento de ser pioneiro, foi o tempo de fugir da alienação cultural, foi a hora de resgatar valores que desapareciam. Todavia, vestir bombacha na cidade era motivar piadas e chacotas - "Onde deixou o cavalo, seu?"... "Na casa da sua respeitável genitora!"

 

Fui soldado da primeira hora, lutei [literalmente inclusive] para o verdadeiro tradicionalismo ressurgir das cinzas dos "35 CTG" [que não é mais antigo do que a congênere] e "União Gaúcha João Simões Lopes Neto". Hora de tirar as decisões das mãos dos eternos guardiães estabelecendo a nova corrente do nativismo.

 

Havemos de creditar na conta da RBS o lançamento e divulgação do Long Play chamado "Payador, Pampa e Guitarra" - Jayme Caetano Braun e Noel Guarany [amigos pessoais do nosso confrade Ivanhoé], que soou como clarinada nos ouvidos povoeiros de gaúchos adormecidos, e vieram as Califórnias da Canção, e vieram as novas agremiações, e sobreveio a utilização política e o desvirtuar do patrimônio cultural e a Tchê Music. E a piada evoluiu - "Sabe qual é o menor circo do mundo, seu? É a bombacha, cabe só um palhaço dentro!"

 

Bueno, me afastei e fui fazer pela vida. Passei mais de 20 anos sem vestir bombacha e calçar botas - por conta de um compromisso pessoal, uma "promessa" no reflexivo, de mim para comigo - e só voltei a envergar "pilchas" quando, recentemente, adquiri as primeiras duas éguas desta fase pós-urbana da minha vida.

 

Naquela longínqua viagem ao Congresso Tradicionalista que já comentei aqui, uma senhora e suas crianças caminhavam pela estrada, numa daquelas grotas do interior de Piratini, e foram alcançadas pela coluna de cavalarianos, o guri dizia pra mãe - "Olha os gaúcho mãe, olha os gaúcho!" e a guria mais velha, de braços dados, bem apertada contra a mãe falava baixo - "É aquele homem da televisão, aquele ali ó..." e espichava o beiço no rumo do Antônio Augusto.

 

Gaúchos e gaúchas são de todas as querências! Qualquer que seja a pilcha, o que nos identifica é o terroir.

 

Fraternal abraço ... Ivan