quarta-feira, 24 de outubro de 2012

MINHA PRIMEIRA VIAGEM AO "EXTERIOR"


 
Salvo engano era 1960.Meus contemporâneos Telmo Kirst ( prefeito eleito de S. Cruz) e André Jungbluth( Grupo Gazeta do Sul) hão de se lembrar. Nossa turma do Liceu São Luiz concluíra o então Curso Ginasial. Faríamos uma viagem de formatura. Destino: Uruguaiana.

Da Estação Ferroviária de Santa Cruz fomos de “ Carro Motor” ( um ônibus sobre trilhos) até  Ramiz Galvão. De lá pegamos outro trem até Santa Maria. Lá chegados, ficamos no mesmo vagão e após algumas manobras da locomotiva, com sopapos e solavancos, depois de longa espera, rumamos para Uruguaiana.

Até Santa Maria eu já tinha ido, mas para oeste de lá tudo  me era desconhecido.

Nunca me  olvidarei da forte impressão que os tipos físicos dos passageiros dos diversos vagões me causaram.  Pessoas de cabelo bem preto, tez morena, a maioria dos homens de bombachas e botas. Aquela gente era muito parecida com aqueles estudantes internos do São Luiz que provinham de Rio Pardo e Encruzilhada do Sul.

Passávamos livremente de um vagão para outro. Havia um vagão restaurante.  O cozinheiro fritava bifes com ovos num fogareiro de querosene daqueles que tinha uma espécie de pistão no lado. Tenho nas minhas narinas ainda o cheiro daquele vagão: uma mistura de querosene com banha fervente. Homens bebiam uma cerveja de marca estranha: Gazapina, que parece que era fabricada em Livramento.

Num dos vagões, que era de 2ª. Classe pois os bancos eram de madeira, um senhor tocava acordeon enquanto mulheres e crianças cochilavam.

Após longa viagem chegamos a Uruguaiana. Hospedamo-nos nos dormitórios do Colégio Marista Sant’Anna ( parece que esse era o nome). Esse colégio situava-se a umas quatro quadras do Rio Uruguai. Me recordo bem que tomamos banho quase debaixo da ponte que leva a Paso de los Libres. Enquanto nos divertíamos na água, olhávamos com ansiedade para o outro lado, na ânsia de conhecer a Argentina.

Foi enorme minha surpresa, pois ao chegarmos na cidade argentina, ela parecia uma daquelas fotos de 1930 em preto e branco. Casas sem pintura, quase invadindo a calçada, nenhum jardim, cachorros correndo pelas ruas sem calçamento. Mas igual nos divertimos comprando recuerdos para provarmos aos nossos pais e amigos que tínhamos ido à Argentina. Para minha mãe comprei um perfume  que, quando ela o abriu, quase teve um desmaio,  já podem imaginar o por que.

Uns dias depois fomos visitar uma fazenda, cujos proprietários eram integrantes da família Jacques.

Maravilhei-me com a quantidade de gado e cavalos. Também me impressionei com a solitude daqueles campos e como uma família podia ser dona de tantos hectares. Claro que eu tinha como base  as colônias da região de Santa Cruz.

Chegou o dia de voltar.

E aqui quero tentar descrever cenas que nunca mais se apagaram da minha memória e talvez tenham sido concorrentes dos motivos que me fizeram adquirir uma propriedade na região pampeira ( nota: moro em P. alegre, mas nossa  propriedade rural de cerca de 2.500 hectares situa-se em Unistalda, na região de Santiago). O trem sulcava aquele mar verde que é o bioma pampa gaúcho, era verão , lua cheia. Noite clara, portanto. Fui até o último vagão, abri a porta e me sentei no degrau, contemplando o céu “ bordado de estrelas”  e aqueles campos planos, com pontas de gado e ovelhas aqui e ali, passando como num filme, por horas e horas, sem que se visse uma só casa ou vila ou cidade. No ar um perfume de alfazema, trazido pelo cálido vento norte das macegas de massanilha.

Pensei: um dia eu quero morar no pampa, um dia quero ter um pedaço de campo, nem que seja pequeno.

Anos mais tarde  assumi como  juiz de direito em Arroio do Meio e logo  fui promovido. Convidaram-me para assumir em Santiago. Aceitei na hora.

Ali me inteirei melhor das coisas do campo. Fiquei dois anos e fui embora de novo promovido, mas carregando comigo meu sonho.

Vinte e cinco anos depois conheci em P. Alegre  uma moça de Santiago, de família de fazendeiros.

Mas aí já é outra história...