terça-feira, 14 de junho de 2011

O DESPACHO DO JUIZ "LIBERAL" - FORMADA A POLÊMICA

A Internet repercutiu o seguinte despacho ( mais um dos que sazonalmente surgem e que agradam aos neófitos):


DECISÃO PROFERIDA PELO JUIZ RAFAEL GONÇALVES DE PAULA
NOS AUTOS DO PROC Nº. 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:
DECISÃO
Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia....
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás.
Intimem-se.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito



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Leiamos a gora o que diz o Des. Roberto Nicolau Frantz do RGS -



Com a devida venia, a decisão do Juiz de Palmas/TO me parece bastante equivocada. Quanto ao relaxamento da prisão em flagrante, tudo bem e até seria fácil justificá-la juridicamente, sem relacionar o fato com a suposta impunidade dos políticos, dos sonegadores ou, até, dos gastos com bombas pelos EE.UU, que cabem a outra jurisdição.   Mais grave, entretanto, me parece que  nessa decisão o Juiz já antecipadamente emitiu seu juízo de absolvição dos acusados, e sem qualquer fundamento jurídico, o que não considero acertado.  O Juiz dá a impressão de que os ladrões seriam  vítimas da sociedade, o que se trata de um equívoco.  Na maioria dos casos os furtos desse tipo  são praticados por pessoas sem limites morais ou éticos quanto ao respeito ao próximo, achando que podem apropriar-se das coisas dos outros, como bens comuns.   E desses pequenos furtos, se não punidos, passarão aos maiores, confiantes na mesma impunidade. Os pequenos delitos, ou de bagatela, devem ser examinados caso a caso ante as condições sócio/econômicas do local e da moral vigente onde vivem  réu e vítima. Eu fui Juiz em Três Passos, há quarenta e cinco anos atrás, e ali o furto de um pé de mandioca ou de uma melancia, mesmo que a roça estivesse à beira da estrada e sem cerca (como ali é comum) era considerada infração grave, considerando que o ladrão seria um desocupado a usufruir benefício ilícito do colono que dedicou o seu suor (e de sua mulher e filhos) à plantação da roça.  O colono dedicado à plantação  considerava ofensa grave alguém colher, às furtivas, o que plantou.  E aquela melancia furtada tinha valor econômico, pois faria parte do total da  pequena colheita a ser comercializada para o sustento da família do plantador.   Tal conceito de propriedade não  sei se é o mesmo em Palmas, no Tocantins, mas  em Três Passos, na minha época, o furto de plantações era considerado como crime e o acusado  era punido pela Justiça, embora com a brandura possível e correspondente ao tipo de ladrão e sua motivação. Acho que hoje a situação lá ainda é a mesma e não deve ter mudado muito.   Nesse sentido, naquela região, o furto de uma melancia poderia ter maior relevância econômica e moral do que o furto de uma ovelha ou bezerro de um fazendeiro na fronteira, pois a fruta foi plantada e acompanhada, dia a dia, pelo agricultor,  com sacrifício sob sol e sob chuva.   Na fazenda o proprietário sequer conhece os seus animais, contados às centenas ou milhares e criados soltos na própria natureza. E o abigeato aqui é considerado como crime grave e combatido até com milícias particulares, como sabemos.   Na cidade grande é que os conceitos mudaram, relevando-se os pequenos delitos, que não são sequer denunciados às autoridades, passando a considerar-se  o fato como coisa normal e a vítima arcando com o prejuízo sem sequer preocupar-se com a punição do delinqüente. Ir a uma delegacia denunciar um delito de bagatela, como uma contravenção penal (que estão todas em desuso, veja-se art. 63, I, “servir bebida alcoólica a menor de 18 anos”)  o que pode trazer como consequência  é, desde logo, a ridicularização do denunciante, além da certeza de que a denúncia será “engavetada” para sempre.  Por isso discordo da decisão do juiz de Palmas, que para mim contribui erradamente para uma consciência nacional de impunidade em relação aos  pequenos delitos e favorece a prática dos grandes.  Ao MM. Juiz de Palmas, assim como todos, seria recomendável a leitura do livro ainda inédito no Brasil,  Fixing Broken Windows",, ed. 1998, cuja tradução literal seria "Consertando Janelas Quebradas", de  Catherine Coles, que enfatiza a importância de combater pequenos delitos e comportamentos que provocam indignação ou medo na população como forma de controlar a criminalidade, e cujos princípios foram  considerados um dos principais fundamentos teóricos da Tolerância Zero, regras de segurança usadas em Nova York para diminuir o número de crimes naquela cidade.  Finalizando, entendo que a liberalidade do magistrado de Palmas,  descriminalizando o pequeno delito, presta um desserviço à coletividade e, assim, acho que não merece o apoio solicitado. Roberto Nicolau Frantz.